O ritual é igual todos os dias. Chego a casa e vou logo à procura do meu filho. A primeira coisa que faço, antes de despir o casaco, é abraçá-lo. A Ana diz que nem sequer me apercebo disso. Só a seguir é que vou ter com ela e dar-lhe o beijinho da praxe. Ainda na maternidade comecei a tomar conta do bebé. A mudar a fralda e a vesti-lo. A Ana não podia porque tinha acabado de fazer uma cesariana. Em casa continuei a fazer tudo. Dou-lhe banho, mudo as fraldas, dou-lhe o jantar e até sou eu que cozinho para todos. E brinco. Brinco muito com ele. A primeira vez que peguei nele foi emocionante. A minha vida mudou completamente no momento em que o vi. Já estava à espera, mas podemos processar tudo da forma mais racional que há, mas quando chega a hora H, é tudo completamente diferente. Não se explica, não se prevê. Posso dizer que senti o instinto de paternidade com dez anitos, quando nasceu a minha irmã. Por isso não tenho receio nenhum quanto à vinda da Margarida. Será muito bem-vinda.
Dizia o pediatra, Horácio Paulino que, em teoria, o segundo filho é mais fácil que o primeiro. Em teoria, porque chegámos à primeira consulta do Dinis cheios de perguntas. Mas o que nos estava mesmo a preocupar era a uma tosse insistente a seguir às mamadas. Depois de ouvir o coração e os pulmões na auscultação o médico explicou-nos que a dita tosse nada tem a ver com expectoração, mas que será causada por refluxo, assim como os bocadinhos de leite que lhe vêm à boca. Ajuda pôr o berço inclinado, pô-lo a arrotar entre mamadas até por causa dos soluços e não esquecer que é obrigatório lavar o nariz com soro fisiológico antes dele comer para que tenha as vias aéreas desentupidas. Mas é óptimo sinal que já tenha recuperado o peso que tinha ao nascer. Em termos de amamentação nunca tivemos problemas: O Dinis pegou no peito mal nasceu. Agarrou-se ao colostro e depois ao leite. Como ele não abria ainda bem os olhos foi-lhe prescrito um colírio três vezes ao dia, sem esquecer a toma diária da vitamina D. Os angiomas planos na pálpebra irão desaparecer com o tempo. Falámos ainda dos cocós e dos xixis diários e também a posição em que ele deve estar no berço. Que é de barriga para cima. Tem que ir-se alternando a posição da cabeça. Para a esquerda ou para a direita.O pediatra esclareceu que hoje em dia a vacina BCG só se realiza em casos seleccionados por isso o Dinis não a fará. O nosso bebé portou-se muito bem na marcha, movimento reflexo próprio dos recém-nascidos. O Luís saiu da consulta a dizer que «ele está um moço porreiro».
Estas sapatilhas azuis têm 16 anos, são uma recordação da Rita, que é a irmã mais velha do Rodrigo. Já andaram nos pés da Margarida. São objectos que guardamos e são pequenos tesouros porque fazem parte da nossa história. O Rodrigo é um bebé muito desejado. Imaginem o que seria outra menina? Já tenho três mulheres em casa que mandam nisto tudo. É necessário ter um filho varão para impor aqui algum respeito. Como passo muito tempo fora de casa convém estar cá mais um elemento masculino a marcar presença. Estou mesmo contente de ficarmos com um casal, além da minha filha Rita de um relacionamento anterior. Posso andar na rua a socorrer acidentes ou outras situações complexas e chegar a casa – às vezes cansado – e ter um sorriso de volta. Sobretudo saber que estão lá a mulher e os pequenos à minha espera. Sei que a vinda de mais um filho acarreta responsabilidades acrescidas e talvez me dê outra perspectiva de vida. É mais um ser que dependerá da minha prestação. Só posso dizer que vou tentar não ficar tanto tempo afastado de casa, para conseguir acompanhar de perto o seu crescimento.
Passam a vida a repetir-nos que gravidez não é doença. De facto, não é até ao dia em que …fiz uma contractura muscular à saída do Centro de Saúde a pegar no carrinho do Daniel. A manhã e a tarde seguintes foram passadas no hospital. A semana em repouso porque estava com muitas dores nas costas. No fim-de-semana para dar uma certa animação à vida comecei a sentir demasiadas contracções de Braxton Hicks. Desta vez fiquei mesmo de repouso absoluto. Obedeci. Fui à consulta para ver se havia alguma alteração no colo do útero e fiz o CTG, exame que avalia os batimentos cardíacos do bebé. Como as contracções pararam fui liberada do repouso, mas não há que enganar estou no último trimestre e o estado de graça dificulta-me a vida. Há uma série de coisas que já não consigo fazer como: calçar meias ou apertar os atacadores. Mas o que realmente me chateia, é não conseguir secar o cabelo com a cabeça virada para baixo. Mesmo sentada custa imenso. Aposto que só uma grávida quase no termo é que percebe as minhas reclamações.
Alvitres e palpites nunca foram para nós uma questão. Uma coisa é certa, os conselhos de uns não se adaptam à vida dos outros. Nunca cedemos ao que nos diziam. Seguimos sempre o nosso instinto. Principalmente a Zara que tem uma ligação mais forte com os nossos filhos, o Miguel e o Dinis. A Zara deixou fluir o seu instinto maternal e lá fomos deixando a vida seguir o curso natural. O nosso instinto de pais é prioritário. Sabemos que umas vezes cometeremos erros e outras poderemos ser um exemplo a seguir. Fica aqui o registo da nossa partilha. Talvez seja pequeno, mas o quotidiano de um bebé é um mundo. Neste caso um mundo onde cabe toda a nossa experiência como pais.
Quando se é bombeiro verdadeiramente temos que conseguir lidar com os desafios da sociedade e da nossa vida pessoal. No dia em que abracei esta vida e aceitei ser segundo comandante dos Bombeiros Voluntários do Fundão sabia que ia passar muito tempo fora de casa. É evidente que se estou uma semana inteira fora tenho imensas saudades da garota. Fico a pensar que ela pode estar a chorar, ou a sofrer. A família sai sempre prejudicada. Porque é quem sente mais as nossas ausências. Estamos fora, quando devíamos estar em casa a ajudar. Costumo brincar que um dia chego a casa e a minha filha já se vai casar. Nesse dia descubro que não consegui acompanhar o crescimento dela.
Dentro da minha barriga o Daniel (filho) já andava em grandes incursões musicais. Em Julho de 2015 fomos ao Super Bock Super Rock ver Florence and The Machine, que a mãe é muito fã. Com Cosmic Love na lista das preferidas. A gravidez ainda era muito recente. Foi a última vez que ficámos em Lisboa, no meu apartamento. A música está presente desde sempre na vida do Daniel. O pai é Pearl Jam, Pearl Jam, Pearl Jam. A mãe é mais Florence and the Machine e Radiohead.
São sonoridades muito familiares que se escutaram ao longo da gravidez. Eles ouvem muita música dentro da minha barriga. É um clássico o pai ligar o telemóvel e perguntar: «vamos ouvir uma musiquinha?» e ficamos os quatro a ouvir. Nada de canções de embalar, apesar de Pearl Jam ter umas boas baladas. O pai conhece tudo. Uma das diversões de fim-de-semana é mesmo ouvir música. E o pequeno Daniel já canta, dança e gosta bastante.
No princípio da segunda gravidez, quando me despedia da Margarida (dois anos) – antes de uma noitada nos bombeiros – ela dizia-me logo: «Oh mãe, tinoni, não, tinoni não». Agarrava-se ao meu pescoço e barrava-me à saída de casa. Como quem diz: «quero que fiques comigo, quero adormecer contigo». Eu explicava-lhe: «filha, a mãe tem que ir ajudar os outros». Ela ficava reticente. Os olhos expressivos muito abertos, parece que falavam: «eu também preciso de ti. Eu também sou pequenina». Cheguei a adormecer com ela. E só saía depois de a sentir a dormir a sono solto. Quando a minha filha acordava, já eu lá estava de novo. Isto aconteceu nos últimos piquetes que fiz. Este ano já passámos por uma fase em que o Hugo esteve praticamente dois meses sem fins-de-semana. Nas poucas folgas que tinha estava a dar formação. Dia e noite. Nessas alturas ela chamava mais pelo pai e quando o via era só o «pai querido» isto e aquilo. Agarrava-se-lhe ao pescoço e não o largava mais. De facto, ela sente saudades. Quando tinha dois meses, o Hugo ausentou-se para uma formação de Comandos, e ela deixou de dormir de noite. Assim que o pai voltou para casa, passava a dormir de novo de seguida. É incrível porque estamos a falar de um recém-nascido. Actualmente a minha filha fala muito com ele por telefone, pede para ver fotografias do pai e para fazer videoconferências. As novas tecnologias encurtam as distâncias.
Durante os dois primeiros anos de namoro a Ana tinha umas fases mais emotivas, outras mais pacatas. Ela assume até que talvez fosse «um bocadinho dramática». Depois da gravidez tudo mudou. No sentido em que se adaptou às circunstâncias. A atitude perante os problemas e eventuais adversidades alterou-se uma vez que passou a encarar os problemas com alguma tranquilidade. Hoje sinto-a mais despreocupada. É tudo muito mais leve. Porque o que interessa, o que realmente importa é que eles – os filhos – estejam bem.